Em 1967, Ashbaugh e col. apud Bethlem (2000), Fizeram a primeira comunicação sobre SARA como sendo uma entidade clínica definida e descreveram as bases de seu aparecimento e terapêutica. Daí para cá, tornou-se possível a associação de diferentes formas de manifestação de patologia pulmonar, sob a mesma designação, inclusive síndrome de membrana hialina do recém-nascido, dadas as características comuns radiológicas, clínicas e anatopatologicas, que permitiram a utilização de condutas terapêuticas mais adequadas (chamada também de SARI).
Antoniazzi (1998), descreve a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) como um quadro de lesão pulmonar aguda, associada a um edema pulmonar, agudo, não hidrostático e hipoxemia severa, acompanhado de altas taxas de mortalidade, entre 10 e 90% (média = 50%), dependendo do fator etiológico.
A síndrome da angustia respiratória aguda (SARA), segundo Bethlem (2000), é uma forma de insuficiência respiratória aguda e progressiva, devido a edema pulmonar intersticial induzido por diversas causas diretas e indiretas, que se manifesta por taquipnéia, dispnéia, cianose, diminuição progressiva da complacência pulmonar e hipoxemia refratária constante.
Apesar de a SARA ter sido descrita há mais de trinta (30) anos, várias dúvidas ainda persistem quanto à sua definição, fisiopatologia e tratamento, em decorrência da complexidade e diversidade dos fatores envolvidos. Existem várias definições para os critérios clínicos de SARA, ainda não aceitas uniformemente. Originalmente, a maioria dessas definições incluiam três critérios clínicos básicos:
a) hipoxemia (de intensidade variável);
b) diminuição da complacência pulmonar; e
c) infiltrados pulmonares na radiografia de tórax.
Com o aumento da disponibilidade e utilização da monitorização hemodinâmica invasiva (cateter de Swan-Ganz), nas Unidades de Terapia Intensiva, a SARA foi posteriormente classificada como um edema pulmonar, não cardiogênico, caracterizada pelo aumento da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar, com extravasamento de células e proteínas para o interstício pulmonar. No início dos anos 80, nosso conhecimento sobre SARA aumentou, quando condições clínicas, específicas, que predispõem ao desenvolvimento da síndrome, foram publicadas (FOWLER, 1983). Através desses relatos importantes, dois novos critérios foram incluídos na definição de SARA:
- Um fator clínico de risco;
- Pressão de enchimento ventricular esquerda, normal.
Em 1988, Murray et al. propuseram um critério de pontuação ("score") da lesão pulmonar, no sentido de avaliar, definir e quantificar melhor a injúria pulmonar. Esse "score" foi amplamente utilizado em vários estudos clínicos(13/16), e é baseado em quatro critérios,numa escala de 0 a 4. Em virtude das dificuldades em determinar-se a incidência da SARA, a heterogeinicidade das doenças de base, as suas várias definições e a não uniformidade da terapia, foi realizado, na Espanha, em 1992, "The American-EuropeanConsensus Conference on ARDS" ( BERNARD, 1994), na tentativa de clarear e uniformizar as definições de SARA e lesão pulmonar aguda (LPA). Foi decidido que o termo a ser empregado para essa patologia complexa deveria ser mesmo aquele proposto inicialmente por Ashbaugh et al. (1967), porém, em vez do termo adulto, empregou-se o termo agudo, devido ao fato de a SARA não ser só limitada a adultos, pois, naquela comunicação original, um (1) dos doze (12) pacientes relatados tinha onze (11) anos.
A SARA têm um início agudo, com duração variável no período de instalação (pode durar de dias a semanas), presença de um fator de risco conhecido, e é caracterizada, principalmente, por hipoxemia persistente, refratária à terapia com oxigênio e infiltrados radiológicos, difusos. Doenças pulmonares crônicas, como fibrose intersticial pulmonar, sarcoidose e outras, devido à sua cronicidade, estão excluídas dessa definição.
Bethlem (2000) pontua que na maioria das vezes, a SARA ocorre após traumatismos extensos, torácicos ou não, e tratamento de choque e reanimação, mas uma grande variedade de lesões, seja por via alveolar ou circulatória podem ser os agentes iniciantes:
- Alveolar: gases e vapores irritantes como o oxigênio puro; líquidos irritantes (água doce ou salgada, ácido clorídrico);
- Sanguínea: obstrução capilar mecânica, soluto de perfusão, partículas em suspensão;
- Endógena: estase microcirculatória, agregação de plaquetas e leucócitos, embolia gordurosa, coagulação intravascular disseminada.
Convém ressaltar que, qualquer que seja a etiologia do SARA, sua patogenia é bastante semelhante. O Pneumócito tipo I é muito susceptível ao dano por várias substâncias inaladas, a destruição destas células, que representa cerca de 95 % da superfície alveolar, compromete gravemente a integridade da barreira alvéolo – capilar. A função surfactante esta alterada, todavia seu mecanismo ainda não está bem explicado. Pode ser síntese diminuída, destruição aumentada ou produção de um surfactante anormal.
As prostaglandina que mediadores da inflamação, metabolizadas no pulmão podem ser uma fonte de resposta amplificada. Parece que o local das lesões iniciais é ao nível do endotélio dos capilares pulmonares que deixam transudar líquido para o espaço intersticial, onde se acumula líquido sob forma de edema. As arteríolas pré-capilares sofrem uma vasoconstrição que, progressivamente, por obstrução e isquemia, produzem alterações no leito capilar, lesando seu endotélio com aumento da permeabilidade da permeabilidade vascular. Vários fatores têm sido apontados como desencadeantes desta vasoconstrição e de bloqueio capilar em presença de choque prolongado, hipóxia, toxemia ou hemólise. É possível que ao nível dos capilares pulmonares, se dê uma agregação de plaquetas que atuam como microtrombos ou que, por ruptura, liberam serotonina, potente vasoconstritor que induz a isquemia.
Ultimamente tem sido demonstrado que os neutrófilos contribuem para a SARA. Grande número de neutrófilos aparecem adjacente no epitélio lesado. Estas células podem contribuir podem contribuir para a lesão por liberação de radicais de oxigênio e elastase. A lesão induzida por elastase é mais característica após exposição prévia a oxidantes.
Recentemente foi proposta uma etiologia cerebral para a SARA. A seqüência seria a seguinte: nos quadros de choque ou condições correlatadas, pode-se instalar isquemia cerebral, a hipoxemia no hipotálamo daria como resultado espasmo vênular pulmonar, mediado pelo sistema autônomo, com congestão e hipertensão capilar, essas alterações progrediriam e por sua vez perpetuariam a hipoxemia cerebral.
Parece que a SARA é uma resposta pulmonar inespecífica a diferentes tipos de lesão por trauma direto ou indireto em outros órgãos, o que equivale dizer que a SARA é uma resposta pulmonar ao choque de qualquer natureza e uma das principais manifestações da hipóxia.
Antoniazzi (2000) relata que as anormalidades patológicas do pulmão, na SARA, originam-se da lesão grave da unidade alvéolo-capilar e que extravazamento do líquido intravascular predomina no início e, à medida que o processo evolui, o edema é substituído pela necrose celular, hiperplasia epitelial, inflamação e fibrose, caracterizando uma lesão alveolar, difusa. A SARA pode ser dividida em três fases, conforme o referido autor, sendo cada fase variável de acordo com o tempo e a evolução clínica da doença: a "fase exsudativa", de edema e hemorragia, a "fase proliferativa", de organização e reparação, e a "fase de fibrose".
1. Fase exsudativa
Estende-se, geralmente, durante a primeira semana após o início da insuficiência respiratória, e as alterações vistas na microscopia óptica são a congestão capilar, o edema alvéolo-intersticial e a hemorragia intra-alveolar. Nessa fase, há uma necrose extensa do epitélio alveolar, com perda da barreira epitelial, alveolar e livre passagem do líquido intersticial para o espaço alveolar, caracterizando, assim, o edema pulmonar não hidrostático.
2. Fase proliferativa
Esse é o estágio de organização dos exsudatos intra-alveolares e intersticiais, observados na fase aguda. Os pneumócitos do tipo II proliferam-se nos septos alveolares a partir do terceiro dia do início da SARA e a fibrose é evidenciada em torno do décimo dia. Os fibroblastos convertem o exsudato em tecido de granulação celular e, posteriormente, pela deposição de colágeno, em tecido fibroso denso. Após a lesão da unidade alvéolo-capilar, as paredes alveolares colapsam, e tornam-se vedadas pela deposição de fibrina. Anormalidades estruturais e funcionais do surfactante também contribuem para o colapso alveolar, na SARA.
3. Fase de fibrose pulmonar
Nos pacientes sob ventilação mecânica, que sobrevivem por três (3) ou quatro (4) semanas do início da SARA, o pulmão é totalmente remodelado por tecido rico em fibras de colágeno. Além do colágeno, há um aumento de elastina, fibras musculares lisas e
glicoproteínas com comprometimento de todo o sistema alvéolo-capilar, envolvido nas trocas gasosas, levando à hipoxemia grave refratária e hipertensão arterial pulmonar, responsáveis pela fase terminal da SARA. É preciso enfatizar ainda que, além das alterações citadas acima, o comprometimento da vascularização pulmonar é um aspecto crucial na SARA, que se estende desde os estágios iniciais até as fases terminais. Essas lesões incluem alterações trombóticas, fibroproliferativas e obstrutivas que, a exemplo
das lesões parenquimatosas, também se correlacionam com a fase evolutiva da lesão alveolar difusa.
As manifestações clínicas da SARA, depende de sua etiologia, se apresentam em geral com algumas horas ou até dois dias de intervalo após a causa desencadeante. Os aspectos dominantes do SARA são: inicio dentro de 48 horas após acidente, taquipnéia seguida por dificuldade respiratória, queda da PO2 sem elevação da PCO2 e infiltrados pulmonares bilaterais. Complacência pulmonar diminuída, assim como os volumes pulmonares. Moore (1969) apud Bethlem (2000) descreveu quatro fases para caracterizar estágios de insuficiência respiratória progressiva após reanimação de traumatismos severos:
Fase I: traumatismos ressuscitação e alcalose;
Fase II: estabilização circulatória e inicio da dificuldade respiratória;
Fase III: insuficiência pulmonar progressiva;
Fase IV: hipoxemia terminal e hipercapnia com assistolia.
Embora esta classificação possa ser válida para o exemplo de uma seqüência típica, nem todos os casos de SARA se apresentam com as mesmas manifestações, que pode estar, em alguns momentos, associadas ou mesmo ausentes.
Para efeito de simplificação podem ser observadas clinicamente duas fases bastante distintas, conforme a evolução clínica do SARA.
- Seqüencial: ocorre logo após as primeiras alterações pulmonares e se manifesta por taquipnéia e hiperventilação, hipoxemia discreta, hipocapnia e alcalose respiratória. Há taquicardia, e a pressão arterial pode estar normal ou baixa, o débito cardíaco é elevado e a resistência periférica é baixa. A temperatura cutânea é normal ou baixa. A pressão venosa central pode estar normal ou ligeiramente aumentada. Não se observa secreção brônquica. De inicio, pela ausculta, não há nada de anormal, mas progressivamente aparecem murmúrio vesicular rude e soproso.
- Agravamento: clinicamente, a piora do quadro da SARA se observa no paciente já em tratamento, nem sempre bem orientado, até mesmo recebendo oxigênio. Aumenta a hipoxemia, e aparecem cianose e agitação. A hiperventilação com alcalose respiratória é persistente, mas progride para a hipoventilação com retenção de CO2. A dispnéia, a cianose e a respiração superficial se acentuam, o paciente de torporoso passa a não responder mais as solicitações e entra em coma. Pela ausculta, ouve-se a transmissão exagerada de ruídos hidroaéreos e de sons exteriores como os produzidos por respiração por pressão positiva intermitente (RPPI). Aparecem sibilos no final da expiração. A aspiração traqueal pode dar saída a secreção sanguinolenta, por vezes abundante.
O diagnóstico da SARA, devido às dificuldades impostas, pela simples avaliação clinica, só pode ser corretamente feito, tendo em vista a instituição de um tratamento adequado, por meios de períodos laboratoriais sofisticados como a analise dos gases sanguíneos (PO2 PCO2) e do estado ácido-básico. Outras medidas obrigatórias são a ventilometria (ventilometro de Wright) e a determinação da concentração de oxigênio inspirado (FiO2) . Os seguintes elementos são constantes no SARA:
a) Hipoxemia progressiva – deve ser avaliada pela medida da pressão de oxigênio no sangue arterial (PaO2) que se mostra sempre baixa e não melhora proporcionalmente, mesmo com a FiO2 elevada, em respiração espontânea.
b) Complacência pulmonar baixa: A diminuição da distensibilidade dos pulmões, ou seja, a queda da complacência pulmonar é nítida e guarda relação direta com a taquipnéia. A complacência pulmonar é de difícil medição no paciente que está em respiração espontânea, mas sua diminuição pode ser sentida ao se tentar insuflar os pulmões com pressão positiva, num sistema balão-máscara.
c) Radiologia: dependendo da etiologia da SARA, os sinais radiológicos pulmonares podem se apresentar já estabelecido pouco tempo depois do inicio das lesões (causas alveolares) ou de forma progressiva, dependendo da intensidade e da gravidade do quadro.
Numa fase inicial, seqüencial, podem ser observados apenas alargamento ou espessamento dos espaços peribrônquicos, mas progressivamente, irão aparecer imagens de hipotransparência sob a forma de infiltrações ou condensações difusas em ambos os campos pulmonares, que são bastantes características. A principio estes infiltrados são mais acentuados nas áreas de declive e se apresentam com forma acinosa com aspecto de flocos de algodão ou de neve, como também pode lembrar o aspecto de "vidro de chão". Estas condensações se devem ao acumulo de edema intersticial e traduzem também áreas de atelectasias, microinfartos e mesmo pequenos focos hemorrágicos.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO
A prevenção da SARA se faz procurando uma série de complicações iatrogênicas que costumam incidir, pois a lesão ou o traumatismo determinantes ocorre antes de qualquer intervenção terapêutica. Os princípios básicos devem visar a manter a eficiência de ventilação pulmonar ou corrigir suas alterações, diminuir ou afastar a causa da lesão pulmonar e usar medidas auxiliares.
Utiliza-se a ventiloterapia, controle de líquidos, administração de diuréticos, corticóides, antibióticos, heparina (BETHLEM, 2000).
Jaeger (1999) argumenta que pacientes com SARA devem ser admitidos em Unidade de Tratamento Intensivo. No qual inclui: Ventilação mecânica com volume controlado (volume = 6 a 10 mL/kg) e alta concentração de oxigênio. A FiO2 deve ser suficiente para manter uma oxigenação adequada (PaO2 >90 mmHg ou SaO2 > 92%). Pressão positiva expiratória final pode ser utilizada (5 a 10 cm H2O), cuidadosamente devido ao risco de barotrauma.
Restrição de fluidos para diminuir PAOP e edema pulmonar. Decúbito lateral ou ventral e suporte respiratório extracorpóreo tem sido proposto em pacientes não responsivos à adequada ventilação mecânica.
Novos métodos de tratamento ainda em investigação incluem: Inalação de Óxido Nitroso, que pode ser benéfico melhorando a hipertensão pulmonar e as trocas gasosas.
N-Acetil-Cisteína EV, que poderia aumentar os surfactantes pulmonares. A utilidade dos corticosteróides não foi estabelecida.
Tratamentos adicionais cruciais para o sucesso dependem da causa subjacente da síndrome da angústia respiratória aguda. Por exemplo, antibióticos são administrados para combater uma infecção. Os pacientes que respondem normalmente ao tratamento, recuperam-se bem com pouca ou nenhuma alteração pulmonar a longo prazo. Para aqueles pacientes cujo tratamento depende de longos períodos sob respiração assistida (com o auxílio de um ventilador), a possibilidade de formação de cicatrizes pulmonares é maior. No entanto, essas cicatrizes podem melhorar alguns meses após o paciente ter deixado de utilizar o ventilador.
EVOLUÇÃO CLÍNICA E MONITORIZAÇÃO: SARA é uma síndrome grave, com taxa de mortalidade de 40 a 60%. Numerosas complicações podem ocorrer levando a falência de múltiplos órgãos. O tratamento da SARA requer monitorização rigorosa de: Gasometria arterial, Parâmetros respiratórios, Parâmetros hemodinâmicos, especialmente pressão de artéria pulmonar (cateter de Swan-Ganz), Oximetria de pulso, Raio X de tórax. Monitorização de outros parâmetros podem estar indicados conforme a causa ou na ocorrência de falência de outros órgãos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTONIAZZI Paulo, JÚNIOR Gerson Alves Pereira, MARSON Flávio, et al. Síndrome da angústia Respiratória Aguda (SARA). 31:493, 1998. Disponível em:
http://www.fmrp.usp.br/revista/1998/vol31n4/sindrome_angustia_respiratoria_aguda.pdf. Acesso: 28 de setembro 2005.
BETHLEM, Newton. Pneumologia. 4ª ed. São Paulo: Atheneu, 2000. 957p.
MATTHAY MA. Síndrome da angústia respiratória do adulto: Definição e prognóstico. Clín Doenças Pulm 4: 557-562, 1990.
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FOWLER AA ey al. Adult respiratory distress syndrome: Risk with common predispositions. Ann Intern Med 98: 593-597, 1983.
BERNARD GR et al. Report of the American-European consensus conference on ARDS: definitions, mechanisms, relevant outcomes and clinical trial coordination. Intens CareMed 20: 225-232, 1994