O pneumotórax é definido como a presença de ar no espaço pleural, tornando real uma cavidade que, em condições normais, é apenas virtual. Esse acúmulo de ar pode levar à compressão do pulmão, causando sintomas respiratórios de gravidade variável. O pneumotórax pode ser classificado em três grandes grupos:
• Pneumotórax Espontâneo (PE): não é causado por traumatismo e nem por outro fator precipitante óbvio. O PE primário acomete indivíduos sem doença pulmonar clinicamente identificável; já o PE secundário ocorre como complicação de alguma doença pulmonar (doença pulmonar obstrutiva crônica, DPOC; fibrose cística; pneumonia por Pneumocystis carinii).
• Pneumotórax Traumático (PT): causado por traumatismo penetrante ou contuso do tórax, podendo o ar atingir a cavidade pleural diretamente através da parede torácica, por perfuração da pleura parietal ou ruptura alveolar.
• Pneumotórax Iatrogênico (PI): representa uma complicação de procedimentos médicos invasivos, com finalidades diagnóstica e terapêutica (punção de acesso venoso central; durante toracocentese e biopsia pleural; barotrauma).
Nesse artigo, abordaremos apenas a abordagem do pneumotórax espontâneo.
Estima-se que, nos EUA, ocorram a cada ano mais de 20.000 novos casos de pneumotórax espontâneo (PE), gerando um custo que ultrapassa 130 milhões de dólares. Nos EUA, a incidência de PE primário (PEP) e secundário (PES) é bastante semelhante, mas quando se analisa a relação homem - mulher, observa-se uma incidência de PEP de 7,4 por 100.000 pessoas-ano para os homens, contra 1,2 por 100.000 pessoas-ano para as mulheres. Com relação ao PES, esses números são de 6,3 e 2,0, respectivamente, sendo o pico de incidência mais tardio (60-65 anos de idade).
As taxas de recorrência relatadas na literatura variam amplamente, de acordo com a duração do acompanhamento e o tratamento realizado, incluindo as intervenções com objetivo preventivo. Sabe-se, no entanto, que nos casos em que essas estratégias profiláticas não são empregadas, a recorrência ocorre normalmente nos primeiros seis meses. Em uma meta-análise que incluiu 11 estudos, observou-se uma taxa de recorrência média de 30%, em indivíduos com PEP não submetidos a medidas profiláticas. Nesse estudo, os fatores de risco para recorrência foram: diagnóstico de fibrose pulmonar; idade igual ou superior a 60 anos; relação altura-peso aumentada.
No contexto do PEP, a mortalidade relatada é bastante baixa, sendo de 0,09% para homens e de 0,06% para mulheres. No entanto, o PES costuma ser mais grave, já que a reserva pulmonar já está comprometida pela doença de base. Foi relatado que, em pacientes com DPOC, a mortalidade relativa é aumentada em 3,5 vezes na ocorrência de um PES.
Pneumotórax Espontâneo Primário
O PEP acomete, comumente, indivíduos do sexo masculino, longilíneos, com idade entre 10 e 30 anos. Raramente ocorre em pessoas com mais de 40 anos de idade. O tabagismo é um importante fator de risco, aumentando o mesmo em aproximadamente 20 vezes.
Na grande maioria desses pacientes, podem ser detectadas bolhas subpleurais. Em estudos com toracoscopia, essas bolhas foram encontradas em 76% a 100% dos pacientes que se apresentaram com PEP. Mesmo os indivíduos que não fumam apresentam bolhas subpleurais, com uma prevalência de aproximadamente 81%. O mecanismo de formação dessas bolhas não é completamente compreendido, mas acredita-se que seja devido à degradação das fibras elásticas, por células inflamatórias atraídas por componentes da fumaça do tabaco. Esse processo inflamatório levaria a uma obstrução de pequenas vias aéreas, com aumento da pressão intra-alveolar e extravasamento de ar para o interstício pulmonar. Esse ar deslocar-se-ia até o hilo pulmonar, causando um pneumomediastino, com aumento da pressão mediastinal e ruptura da pleura parietal. Com isso, ocorre um escape de ar para o interior da cavidade pleural.
Quando o PEP é grande, leva a uma diminuição da capacidade vital pulmonar e um aumento do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio. A hipoxemia resulta de uma baixa relação ventilação-perfusão e do shunt que se forma. Hipercapnia não se desenvolve nesses pacientes, já que a função pulmonar basal é normal.
A apresentação clínica do PEP é bastante típica, iniciando-se mais frequentemente durante o repouso. Em quase todos os pacientes obtem-se um relato de dor torácica ipsilateral, do tipo pleurítica e de intensidade variável, e dispnéia. A duração dos sintomas não costuma ultrapassar 24 horas, mesmo se o pneumotórax não for resolvido. O exame físico pode ser normal, quando o pneumotórax é pequeno, embora a taquicardia seja comumente encontrada. Nos casos em que o pneumotórax é grande, há uma redução da expansibilidade torácica, hipertimpanismo à percussão, redução do frêmito tóraco-vocal e abolição dos sons respiratórios. A presença de taquicardia importante, hipotensão e/ou cianose leva à suspeita de pneumotórax hipertensivo.
O diagnóstico baseia-se na história clínica sugestiva, sendo confirmado pela radiografia simples de tórax. A imagem radiológica caracteriza-se pelo afastamento da linha pleural da parede torácica.
Pneumotórax Espontâneo Secundário
O PE secundário (PES) é um evento potencialmente fatal, já que os pacientes apresentam doença pulmonar subjacente e comprometimento da reserva cárdiopulmonar. As principais causas de PES são:
• Doença pulmonar obstrutiva crônica
• Fibrose cística
• Status asmaticus
• Pneumonia por P. carinii e pneumonias necrotizantes
• Sarcoidose
• Fibrose pulmonar idiopática
• Doenças do tecido conjuntivo: artrite reumatóide, espondilite anquilosante, polimiosite/dermatomiosite, síndrome de Marfan e de Ehlers-Danlos
• Cânceres: sarcomas, câncer de pulmão.
• Endometriose torácica
Vale ressaltar que o PES ocorre em aproximadamente 2% a 6% dos pacientes infectados pelo vírus HIV, sendo que em 80% desses casos existe associação com a pneumonia por P. carinii. Nesses pacientes, o PES relaciona-se a alta mortalidade. O pneumotórax relacionado às menstruações acomete mulheres com idade entre 30 e 40 anos, com história prévia de endometriose pélvica. Geralmente ocorre no pulmão direito, até 72 horas após o início do período menstrual. Essa condição é incomum, mas o diagnóstico precoce é importante, permitindo o início da terapia hormonal. Porém, como a taxa de recorrência é de até 50%, mesmo com o uso de hormonioterapia, a pleurodese é comumente recomendada.
A fisiopatologia do PES é semelhante à do PEP. O aumento da pressão intra-alveolar, acima da pressão intersticial, leva à ruptura dos alvéolos, com extravasamento de ar para o interstício. O ar move-se pelo interstício até atingir o hilo pulmonar, levando ao pneumomediastino, com elevação da pressão mediastinal e extravasamento de ar para a cavidade pleural, através da pleura parietal. Nos casos de pneumonia por P. carinii, o mecanismo seria de necrose pulmonar com extravasamento direto do ar para o espaço pleural.
Nos pacientes que se apresentam com PED, a dispnéia está sempre presente, podendo ser bastante grave. A dor torácica pleurítica também é comum. Além disso, complicações ameaçadoras à vida, como hipoxemia e hipotensão, podem também estar presentes. Ao contrário dos pacientes com PEP, os sintomas não se resolvem espontaneamente, e a hipercapnia é a regra, podendo chegar a níveis superiores a 50mmHg. O quadro geralmente é súbito, podendo ser mascarado por sintomas causados pela doença de base. Em pacientes portadores de DPOC, o PES deve sempre ser considerado quando há o indivíduo desenvolve um quadro de dispnéia inexplicada, principalmente se associada a dor torácica pleurítica unilateral. O diagnóstico é feito de maneira semelhante ao PEP, com emprego da radiografia de tórax. Caso permaneça dúvida quanto ao diagnóstico de certeza, pode-se realizar uma tomografia computadorizada de tórax.
O tratamento do PE apresenta dois objetivos: (1) eliminar a coleção aérea intrapleural; e (2) prevenir recorrências. Terapias como oxigênio suplementar, observação, aspiração simples e drenagem sem utilização de agente esclerosante não oferecem proteção contra recorrência. As medidas profiláticas incluem a drenagem torácica com pleurodese, intervenções cirúrgicas (toracotomia, videotoracoscopia). A abordagem do paciente baseia-se em características como: tamanho do pneumotórax; gravidade dos sintomas; presença de vazamento de ar; tipo do PE (PES ou PEP).
Antigamente, o tamanho do pneumotórax era o parâmetro mais importante na definição do tratamento. Atualmente, os consensos têm colocado maior ênfase no quadro clínico do paciente. Os consensos atuais não definem mais o tamanho do pneumotórax de acordo com porcentagem, e sim em medidas absolutas. O guideline do American College of Chest Physicians (ACCP) considera como pneumotórax pequeno aquele que apresenta um colapso inferior a 3cm, e o grande é aquele com colapso igual ou superior a esse valor. Já o consenso da British Thoracic Society (BTS) considera como ponto de corte o valor de 2cm.
O ACCP define como parâmetros de estabilidade clínica a presença de freqüência respiratória inferior a 24 irpm, uma freqüência cardíaca entre 60bpm e 120bpm, pressão arterial normal para o paciente, uma saturação arterial de oxigênio de pelo menos 90% em ar ambiente e a capacidade de expressar frases completas.
Oxigenioterapia Suplementar
Na vigência de um pneumotórax, ocorre redução da pressão arterial parcial de oxigênio, como resultado de alterações na relação ventilação-perfusão, formação de espaço morto e shunts. Com o aumento do volume de ar no espaço pleural, essas alterações evoluem com piora progressiva. Essas alterações fornecem subsídios para o uso de oxigenioterapia nesses pacientes. Além de melhorar a oxigenação arterial, a suplementação com oxigênio ajuda na reabsorção do ar aprisionado na cavidade pleural, pela criação de um gradiente de pressão gasosa entre os capilares e o espaço pleural. Esse gradiente aumenta a reabsorção principalmente do nitrogênio, mas também dos outros gases. O consenso da BTS recomenda a utilização de oxigenioterapia em alto fluxo, tendo-se cuidado nos pacientes com DPOC, os quais apresentam grande tendência à retenção de gás carbônico.
Observação
A conduta expectante é uma das opções terapêuticas, embora não oferece proteção contra recorrência. Essa conduta pode ser recomendada em pacientes selecionados, com PEP, já que a mortalidade associada é muito baixa. Tanto o consenso da ACCP quanto o da BTS recomendam essa conduta em pacientes com PEP pequeno que se apresentam com estabilidade clínica. A recomendação é de que se mantenha o paciente sob observação por um período de 3 a 6 horas, com alta caso a radiografia de controle não demonstre progressão. O paciente deve ser reavaliado dentro de no máximo 2 dias. Nos casos de PES, a observação reserva-se aos pacientes com coleção pequena de ar na cavidade pleural e com estabilidade clínica, de preferência em nível hospitalar.
Aspiração Simples
A drenagem da coleção de ar pode ser realizada de diversas maneiras, sendo uma delas a aspiração simples, geralmente realizada com cateter para uso endovenoso. Os trabalhos mostram uma taxa de sucesso entre 53% e 58%. De uma maneira geral, essa abordagem é mais bem sucedida no PEP (média de 75%) do que no PES (média de 37%).
De acordo com o guideline do ACCP, a aspiração simples está indicada aos pacientes com PEP que apresentaram progressão, durante o período de observação. Em contraste, a BTS recomenda a aspiração simples como a primeira linha de tratamento para todos os casos de PEP que necessitam de intervenção. No entanto, os próprios autores reconhecem as falhas dos estudos que os levaram a fazer essa recomendação, e orientam que, nos locais onde existem profissionais experientes e material disponível para a realização de aspiração com cateteres específicos, os quais podem ser deixados como drenos até que se confirme a re-expansão pulmonar, essa técnica é mais eficaz.
Nos casos de PES, o papel da aspiração simples é inferior, apresentando baixa taxa de sucesso. A BTS recomenda essa terapia somente a pacientes com pneumotórax pequeno, minimamente dispnéicos e com idade inferior a 50 anos.
Drenagem Pleural
O consenso da ACCP recomenda a colocação de dreno de tórax nos pacientes com PEP grande, independentemente da estabilidade clínica. Alguns dos pacientes estáveis e todos os pacientes que se encontram instáveis devem ser hospitalizados. O consenso da BTS permite a realização inicial da aspiração simples, reservando o dreno de tórax aos casos em que a abordagem inicial apresentar falha. Quanto aos pacientes com PES, o ACCP recomenda que os pacientes com pneumotórax pequeno e clinicamente estáveis, quando internados, podem ser observados ou submetidos a drenagem, dependendo da gravidade dos sintomas. Qualquer paciente instável ou com pneumotórax grande deve ser submetido a drenagem de tórax.
Com relação ao tamanho do dreno, os dois consensos recomendam o uso de drenos menores. Para os pacientes com PEP grande, clinicamente estáveis, o ACCP recomenda o uso de dreno entre 14F e 22F, ou menores. Nos casos de pneumotórax grande, em paciente instável, recomenda-se o uso de drenos maiores (24F a 28F), principalmente se existe a suspeita de grande fístula broncopleural. Nos pacientes com PES com risco de grande vazamento ou com necessidade de ventilação mecânica, recomendam-se também drenos maiores.
A remoção do dreno de tórax deve ser realizada após a resolução do vazamento de ar. São pré-requisitos uma radiografia de tórax demonstrando a re-expansão pulmonar e a ausência de evidências clínicas de vazamento de ar para a cavidade pleural. Os estudos não mostram diferenças na taxa de pneumotórax pós-retirada do dreno, quando o mesmo retirado ao final da inspiração ou da expiração. A presença de hemotórax, realização de toracotomia ou toracoscopia, doença pulmonar prévia e a duração da drenagem de tórax não afetam a taxa de recorrência do pneumotórax.
Prevenção da Recorrência
Os consensos da ACCP e da BTS recomendam o emprego de intervenções cirúrgicas para a prevenção de recorrência. O ACCP recomenda a realização de abordagem toracoscópica, como opção na prevenção de recorrência e correção de vazamento aéreo, em pacientes com PEP ou PES. Nos casos de PEP, recomenda-se a abrasão pleural limitada à metade superior do hemitórax afetado e a ressecção das bolhas. Nos pacientes com PES, os procedimentos recomendados são: ressecção cirúrgica das bolhas, acompanhada de pleurectomia parietal ou abrasão pleural parietal limitada à metade superior do hemitórax. O consenso da BTS alerta que a toracotomia com pleurectomia continua sendo o procedimento associado a menor taxa de recorrência, em casos de pneumotórax recorrente. Outras técnicas eficazes são: procedimentos minimamente invasivos; videotoracoscopia; abrasão pleural; pleurodese com talco. Parece existir uma pequena vantagem da pleurectomia, quando comparada à abrasão pleural.
A administração de agentes esclerosantes, através de dreno de tórax, é recomendada com terapia de segunda linha, em pacientes já submetidos a procedimentos cirúrgicos profiláticos. Além disso, está indicada também aos pacientes que recusam ou não toleram a abordagem cirúrgica. Os agentes preferidos são o talco e a doxiciclina.
Excetuando-se os pacientes com vazamento persistente, os quais necessitam de intervenção precoce, a grande maioria dos colaboradores, do consenso da ACCP, recomenda que o procedimento profilático deve ser feito após o segundo episódio de PEP. Quanto ao PES, a recomendação é que o procedimento seja realizado já após o primeiro episódio. O consenso da BTS utiliza os critérios clássicos de indicação de procedimento profilático, que incluem:
• Segundo episódio de pneumotórax ipsilateral
• Primeiro episódio de pneumotórax contra-lateral
• Pneumotórax bilateral
Ambos os consensos recomendam abordagem profilática precoce para os profissionais de risco aumentado para pneumotórax, como pilotos de aeronaves e mergulhadores. Os pacientes que apresentam um PES devem ser aconselhados a evitar viagens aéreas por um período de um ano, caso não seja realizada nenhuma intervenção cirúrgica. Após a ocorrência de PE, a prática de mergulho deve ser desencorajada permanentemente, a não ser que seja realizada pleurectomia.
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